quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

#72 - "Caudais de sangue desencadeados", Alberto de Lacerda

Caudais de sangue desencadeados
Pela injustiça milenária
A força bruta

O rio
Passam a chamar-lhe
História

Caudais de sangue
Entrecortados
Por uma luz que a injustiça
E a força bruta
Não conseguiram nunca
Contaminar

As linhas não se encontram

O contraponto
Não existe

Universos
Completamente alheios
Um ao outro

Os caudais de sangue
Prosseguem
Desaguam na história
E no que passaram a chamar
De progresso

Não há redenção

Voltado para a luz
Há outo plano
Há o crescer da árvore e do poema
O florir do amor
Irmandade imensa
Milenariamente
Escorraçada

Sobrevivendo apenas
Na ocultação profunda
Mesmo quando brilha
De dentro
Para todos os lados

Londres
6-7 de Agosto 90

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

#71 - EPIGRAMA, Carlos Queirós

O cego deu à manivela
Da velha e triste pianola,
Que era a alegria da vila;
Mas já ninguém vem à janela.
-- Pois, vindo, davam-lhe esmola...
E, ocultos, podem ouvi-la.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

#70 - VEJAM BEM, José Afonso

Vejam bem
Que não há
Só gaivotas
Em terra
Quando um homem
Se põe
A pensar
 
Quem lá vem
Dorme à noite
Ao relento
Na areia
Dorme à noite
Ao relento do mar
 
E se houver
Uma praça
De gente
Madura
E uma estátua
De febre
A arder
 
Anda alguém
Pela noite
De breu
À procura
E não há
Quem lhe queira
Valer
 
Vejam bem
Daquele homem
A fraca
Figura
Desbravando
Os caminhos
Do pão
 
E se houver
Uma praça
De gente
Madura
Ninguém vem
Levantá-lo
Do chão
 
Vejam bem
Que não há
Só gaivotas
Em terra
Quando um homem
Se põe
A pensar