Nos corredores das lojas a passear, lá em cima,
arrasta um calçado encharcado,
um saco plástico que verte.
Quando lhe tocam, sujam-se,
mais rápidos caminham fazendo um esgar doentio.
Não tardará que o homem de farda lhe indique a
saída.
segunda-feira, 10 de abril de 2017
terça-feira, 28 de março de 2017
# 68 - LUTCHINHA, António Jacinto
Flor é esta entre os lábios
Rosa vermelha de cio
O mar de espuma é um rio
granito dos peixes o dorso
O longo caminho do exílio
não me esmorece o esforço
Flor é esta entre os lábios
Rosa negra saudade
Humano sou e permaneço
Fraternidade nas lágrimas
que dos teus olhos mereço
Rosa vermelha de cio
O mar de espuma é um rio
granito dos peixes o dorso
O longo caminho do exílio
não me esmorece o esforço
Flor é esta entre os lábios
Rosa negra saudade
Humano sou e permaneço
Fraternidade nas lágrimas
que dos teus olhos mereço
quinta-feira, 16 de março de 2017
#67 - SALGUEIRO MAIA, Sophia de Mello Breyner Andresen
Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido
Aquele que deu tudo e não pediu paga
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite
Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com sua ignorância ou vício
Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse
Respeitou o vencido
Aquele que deu tudo e não pediu paga
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite
Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com sua ignorância ou vício
Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse
segunda-feira, 6 de março de 2017
#66 - A UM CRUCIFIXO, Antero de Quental
Não se perdeu teu sangue generoso,
Nem padeceste em vão, quem quer que foste.
Plebeu antigo, que amarrado ao poste
Morreste como vil e faccioso.
Desse sangue maldito e ignominioso
Surgiu armada uma invencível hoste...
Paz aos homens e guerra aos deuses! -- pôs-te
Em vão sobre um altar o vulgo ocioso...
Do pobre que protesta foste a imagem:
Um povo em ti começa, um homem novo:
De ti data essa trágica linhagem.
Por isso nós, a Plebe, ao pensar nisto,
Lembraremos, herdeiros desse povo,
Que entre nossos avós se conta Cristo.
Nem padeceste em vão, quem quer que foste.
Plebeu antigo, que amarrado ao poste
Morreste como vil e faccioso.
Desse sangue maldito e ignominioso
Surgiu armada uma invencível hoste...
Paz aos homens e guerra aos deuses! -- pôs-te
Em vão sobre um altar o vulgo ocioso...
Do pobre que protesta foste a imagem:
Um povo em ti começa, um homem novo:
De ti data essa trágica linhagem.
Por isso nós, a Plebe, ao pensar nisto,
Lembraremos, herdeiros desse povo,
Que entre nossos avós se conta Cristo.
domingo, 5 de fevereiro de 2017
#65 - CANTO INTERIOR DE UMA NOITE FANTÁSTICA, António Jacinto
Sereno, mas resoluto
aqui estou -- eu mesmo! -- gritando desvairado
que há um fim por que luto
e me impede de passar ao outro lado.
Ante esta passagem de nível
nada de fáceis transposições
Do lado de cá -- pareça embora incrível
é que me meço: princípio e fim das multidões.
Não quero tudo quanto me prometem aliciantes
Nada quero, se para mim nada peço,
o meu desejar é outro -- o meu desejo é antes
o desejo dos muitos com que me pareço.
Quem quiser que venha comigo
nesta jornada terrena, humana e sincera
E se for só -- ainda assim prossigo
num mar de tumulto, impelindo os remos sem galera.
Que venham glaucas ondas em voragem
que ardam fogos infernais
que até os vermes tenham a coragem
de me cuspir no rosto e no mais.
Que os lobos uivem famintos
que os ventos redemoinhem furiosos
que até os répteis soltem seus instintos
e me envolvam traiçoeiros e viscosos.
Que me derrubem e arremessem ao chão
que espesinhem meu corpo já cansado
à tortura e ao chicote ainda responderei não
e a cada queda -- de novo serei alevantado.
E não transporei a linha divisória
entre o meu e o outro caminho
Mesmo que a minha luta não tenha glória
é no campo de combate que alinho.
Assim continuarei a lutar, ai a lutar!
num perigoso mar de paixões e de escolhos
e -- companheiros -- se neste sofrer me virdes chorar
não acrediteis em vossos olhos!
Luanda, 31-7-1952
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017
#64 - CANTIGAS PARA OS TRABALHADORES DOS CAMPOS, Bernardo de Passos
Sou cavador, cavo a terra
Donde nasce a flor e o grão.
Dou aos outros a fartura
E em casa não tenho pão.
Hoje planto árvor's e vinha,
Lavro a terra, rego a horta,
E amanhã, em sendo velho,
Pedirei de porta em porta.
O sol a todos aquece,
Não nega a luz a ninguém,
Ama os bons e ama os maus
E assim foi Jesus também.
A árvore, quanto mais fruto,
Mais baixa os ramos p'ra o chão.
O homem, quanto mais rico,
Mais ergue a sua ambição.
A vida do pobre é isto:
-- Trabalhar enquanto moço,
E em velho andar às esmolas
Como o cão que busca um osso.
Morre um rico, dobram sinos!
Morre um pobre, não há dobres!
Que Deus é esse dos padres
Que não faz caso dos pobres?
Se pão não tenho, e os meus filhos
Me pedem pão a chorar,
Dou-lhes beijos, coitadinhos!
Que mais não lhes posso dar...
Sinto no mundo um rumor
Que anuncia um dia novo,
Andam profetas na terra
Abrindo os braços ao povo!
O sol nasceu cor de sangue
E a lua da mesma cor.
Gritam as bocas: Mais pão!
E os corações: Mais amor!
Donde nasce a flor e o grão.
Dou aos outros a fartura
E em casa não tenho pão.
Hoje planto árvor's e vinha,
Lavro a terra, rego a horta,
E amanhã, em sendo velho,
Pedirei de porta em porta.
O sol a todos aquece,
Não nega a luz a ninguém,
Ama os bons e ama os maus
E assim foi Jesus também.
A árvore, quanto mais fruto,
Mais baixa os ramos p'ra o chão.
O homem, quanto mais rico,
Mais ergue a sua ambição.
A vida do pobre é isto:
-- Trabalhar enquanto moço,
E em velho andar às esmolas
Como o cão que busca um osso.
Morre um rico, dobram sinos!
Morre um pobre, não há dobres!
Que Deus é esse dos padres
Que não faz caso dos pobres?
Se pão não tenho, e os meus filhos
Me pedem pão a chorar,
Dou-lhes beijos, coitadinhos!
Que mais não lhes posso dar...
Sinto no mundo um rumor
Que anuncia um dia novo,
Andam profetas na terra
Abrindo os braços ao povo!
O sol nasceu cor de sangue
E a lua da mesma cor.
Gritam as bocas: Mais pão!
E os corações: Mais amor!
sábado, 14 de janeiro de 2017
#63 - TRABALHO, Eduardo Olímpio
é preciso escrever o poema. formar a
palavra. amá-la.
escrever por exemplo o homem e
pôr os testículos à
mostra para confirmação do
substantivo.
é preciso também escrever amor a
tinta da china preta de
preferência para
maior duração do
coito.
e mar. é preciso escrever mar
navio vaga como quem
semicircula uma foice como quem
desenha uma
gaivota na charneca do
mar.
e é preciso também escrever
medo
para que o poema tenha cãs
e a esperança cresça
prenha
no grito mais secreto das manhãs.
domingo, 8 de janeiro de 2017
#62 - OS EUNUCOS, José Afonso
Os eunucos devoram-se a si mesmos
Não mudam de uniforme, são venais
E quando os mais são feitos de torresmos
Defendem os tiranos contra os pais
Em tudo são verdugos mais ou menos
Nos jardins dos haréns ou principais
E quando os pais são feitos em torresmos
Não matam os tiranos pedem mais
Suportam toda a dor na calmaria
Da olímpica mansão dos samurais
Havia um dono a mais da satrapia
Mas foi lançado à cova dos chacais
Em vénias malabares, à luz do dia
Lambuzam de saliva os maiorais
E quando os mais são feitos em fatias
Não matam os tiranos, pedem mais
quinta-feira, 5 de janeiro de 2017
#61 - TARDE DE INVERNO, Fausto José
Sobre o planalto adormecido
Num frio leito de inverno,
Agasalhado de brumas,
Um Sol terno,
Distraído...
De longe, a montanha sombria
Exala uma aragem fria.
Cheira a serra,
A terra,
Morta...
Mas com seu odor mais forte,
Ao apelo do vento norte
Responde
A minha melancolia...
Numa colina humilhada
De chuva, de ventanias,
Crucificado num céu dorido,
Surge um pastor como um vencido.
Em fila, atrás,
Vem o rebanho humílimo balindo;
Traz nos olhos a paz,
A paz grave da serra;
E entre os dorsos compactos, de lã fina,
Paira a sombra primeira aventurosa,
O alvoroço da noite misteriosa,
O pranto da neblina!...
Num frio leito de inverno,
Agasalhado de brumas,
Um Sol terno,
Distraído...
De longe, a montanha sombria
Exala uma aragem fria.
Cheira a serra,
A terra,
Morta...
Mas com seu odor mais forte,
Ao apelo do vento norte
Responde
A minha melancolia...
Numa colina humilhada
De chuva, de ventanias,
Crucificado num céu dorido,
Surge um pastor como um vencido.
Em fila, atrás,
Vem o rebanho humílimo balindo;
Traz nos olhos a paz,
A paz grave da serra;
E entre os dorsos compactos, de lã fina,
Paira a sombra primeira aventurosa,
O alvoroço da noite misteriosa,
O pranto da neblina!...
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